Na audiência pública promovida nesta segunda-feira (26) na Assembleia Legislativa, com o tema “Feminicídio: Como deter o agressor e evitar a morte anunciada?”, a deputada propositora Cristiane Dantas (PCdoB) começou a discursar pedindo um minuto de silêncio em memória de Isolda. Ela se referia a Isolda Claudino de Almeida, de 53 anos, assassinada há uma semana pelo ex-marido inconformado com a separação. Sentada à mesa de autoridades, Iná Claudino de Almeida, irmã da vítima.
“A morte dela expôs mais uma vez a fragilidade da proteção dada à mulher vítima de violência no Rio Grande do Norte”, disse a deputada Cristiane Dantas, ao afirmar que foi o feminicídio contra Isolda que motivou a realização dessa audiência, onde questionou as medidas protetivas, algumas oferecidas e não acatadas pela vítima por acreditar que o ex-companheiro não seria capaz de um ato extremo. “Muitos podem dizer que a morte de Isolda foi simplesmente pelo fato dela ter subestimado as ameaças sofridas. Essa ponderação tem razão de ser em virtude da natureza do ciclo de violência doméstica”, disse Cristiane, discutindo a falha existente na rede de proteção às mulheres vítimas de violência.
Por isso, o que nos traz aqui hoje é principalmente esse questionamento: “Como deter o agressor e evitar a morte anunciada?”, questionou a deputada, lamentando que a vítima deixou quatro filhos. Cristiane lembrou que em 2015 foi sancionada a Lei do Feminicídio, crime considerado hediondo, com pena de 12 a 30 anos de prisão, mas que não impediu que atos violentos contra esposas, mães, companheiras e namoradas continuassem acontecendo, com base na “certeza da impunidade”.
A deputada também lembrou que em 2016 foi sancionada uma lei de sua autoria, elaborada com a participação de da Defensoria Pública e da Coordenadoria de Defesa das Mulheres, que instituiu a Patrulha Maria da Penha. A patrulha foi instituída para fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas, visitando as mulheres vítimas da violência em suas casas e locais de trabalho. “Ainda hoje a patrulha ainda não funciona em sua plenitude”, denunciou Cristiane, que também preside a Frente Parlamentar da Mulher na Assembleia Legislativa.
A deputada propositora da audiência encerrou seu discurso informando mais um crime de feminicídio, citando o caso de Márcia Fernandes, esfaqueada neste domingo pelo marido, em Mossoró. A vítima permanecia, na manhã desta segunda-feira, internada no hospital em estado grave e o acusado permanecia foragido. Cristiane citou no final a cantora Nina Simone, ícone nos anos 60 na luta pelos direitos civis dos negros e também vítima de violência doméstica: “Liberdade é não ter medo”.
Irmã de Isolda, Iná fez um depoimento emocionado. Chorando, ela reforçou a denúncia já feita, de que o ex-marido de Isolda prometeu matá-la várias vezes, e que, por ter tomado providências para levar o caso à polícia, ela, irmã da vítima, teve a casa incendiada. “Pedi por tudo quanto é sagrado que tivessem prendido. Mas ele foi ouvido e saiu da delegacia e ligou pra mim dizendo que o blá-blá-blá da delegada não valeu de nada”, lembrou Iná. “Direitos humanos só ajudam vagabundos, não vamos ser hipócritas”, criticou a irmã de Isolda. “Se a Justiça não tivesse sido tão lenta minha irmã estaria aqui, mas agora só resta conviver com a dor da perda”, finalizou.
Durante a audiência pública, Waldir Moura, pai de Daiane Moura, assassinada pelo ex-marido na zona rural de Macaíba em janeiro passado, também deu seu depoimento emocionado, e ao mesmo tempo revoltado diante das providências até hoje não finalizadas, já que o autor do crime continua solto. “Eu soube que o processo está com o juiz, que a prisão já foi autorizada e só falta entrar no sistema do Tribunal”, relatou o pai da vítima. “No dia 26 de janeiro uma parte de minha vida foi embora e eu tive que ser muito forte para não terminar sendo preso”, disse Waldir, justificando que poderia ter tomado as providências de responsabilidade da justiça.
Titular do Juizado da Violência Doméstica, o juiz Rosivaldo Toscano participou da audiência e explicou como funciona a Justiça Criminal e as audiências de custódia. Ele lembrou que deferiu a medida protetiva intimando a vítima que não foi localizada. “O Judiciário não teve conhecimento da desobediência quanto às medidas protetivas”, disse o juiz, relatando que foi informado que o acusado soube da medida por um amigo. Lotada na Promotoria da Violência Doméstica, a promotora Ivaneide Confessor relatou as dificuldades de providências efetivas em relação ao crime contra mulheres, diante da incapacidade das delegacias. “A vítima chamou e não foi atendida”, disse a promotora, adiantando que no Ministério Público, a orientação quando chega uma vítima é “prioridade”.
Defensora Pública e convidada para participar da audiência, Ana Lúcia Raimundo sugeriu que as mulheres vítimas de violência procurassem a Defensoria que pode agir com mais rapidez do que as delegacias. Representando a Coordenadoria da Defesa da Mulher e das Minorias (CODIMM), Erlândia Moura Passos também se pronunciou e afirmou que a Lei do Feminicídio sozinha não tem caráter efetivo. Ela citou que este ano, das 29 mulheres assassinadas no Rio Grande do Norte, 3 foram por feminicídio. Ela também relatou duas tentativas de feminicídio.
Major da Polícia Militar, Soraia Castelo Branco falou da necessidade de capacitação para acolhimento das vítimas. Titular da Delegacia da Mulher do município de Parnamirim, a delegada Paola Benevides falou da deficiência do Estado para tratar do assunto, já que são apenas 5 delegacias especializadas, das quais duas estão sem titular. Citou Mossoró onde a delegada está de licença e não tem quem a substitua. A delegada se emocionou ao se apresentar como mulher e como mãe.
A deputada Márcia Maia (PSDB) compareceu à audiência e se solidarizou com as vítimas da violência doméstica, chamando atenção tanto para a agressão física, que leva ao feminicídio, quanto à agressão psicológica. “A agressão psicológica pode marcar para sempre a vida da mulher”, reiterando o desejo de evitar o alto índice de feminicídio. Ela reforçou a importância das Delegacias especializadas na rede de proteção.
Substituindo a delegada Sheila Freitas, secretária estadual de Segurança, o Coronel Ulisses Paiva, adjunto da pasta, lembrou que muitas vezes a violência não está nas ruas, e sim dentro de casa. E sugeriu que, assim como o Proerd nas escolas tem por finalidade evitar que os jovens entrem no mundo das drogas, um trabalho social nos mesmos moldes fosse levado às escolas preparando as crianças para os relacionamentos. Algumas pessoas presentes também se inscreveram e se pronunciaram sobre o assunto na audiência desta segunda-feira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário