terça-feira, 9 de novembro de 2010

VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?

“Você sabe com quem está falando?” parece uma simples frase. É mais que isto. Trata-se de um traço autoritário da sociedade brasileira. Ela funciona para demarcar diferenças e posições hierárquicas. O seu uso pode ser traduzido como “me respeite, pois não sou do seu nível”, ou, melhor ainda, “nós não somos iguais”.
É interessante que esta fabricação de tratamentos acontece inclusive entre pessoas que aparentemente estão na mesma classe social. Por exemplo, um motorista pode dizer a outro: “você sabe com quem está falando? sou motorista do senador”. Assim, todos estão sujeitos a usar ou receber a frase maldita. Mais que isto, todos podem pensar que não pertencem a uma classe subalterna, pois são vinculados a extratos superiores. É fantástico para quem está em posição de mando.
A expressão não precisa ser usada verbalmente. Ela possui seus símbolos, que a substituem com perfeição. Antigamente, havia o uso de bengalas, fraques e bigodes, que serviam para marcar a posição social. Era menos traumático, pois o “superior” não precisava falar as palavras pernósticas, para que o “inferior” soubesse que deveria reverenciá-lo. Mas, o sentido permanecia.
Hoje, embora existam menos símbolos, eles ainda estão aí. Veja, por exemplo, como funciona um Tribunal. Advogados, Defensores, Juízes e Promotores usam paletó e gravata, para se diferenciar dos “servidores” (como se defensores, juízes e promotores não fossem também servidores) e do povo. Não satisfeitos, usam pequenos broches, as insígnias, para se diferenciarem uns aos outros Estão avisando para todos: “saibam com quem estão falando”.
A farda serve para exigir determinado tratamento. Diante de alguém com aquela fantasia, você deve usar sempre a palavra “doutor”. Do contrário estará sendo desrespeitoso. A necessidade do tratamento tem a mesma função: “não me chame pelo nome, pois eu não sou da sua laia”. Às vezes, é obrigatório se vestir de determinada maneira, para demonstrar a subordinação. Algumas sessões de julgamento, apesar de públicas, exigem que a platéia também use paletó e gravata. Afinal, para se apresentar às “santidades” do local, você tem que seguir o ritual. Nesses casos, entretanto, é comum que os semi-deuses usem togas, para continuarem diferentes dos mortais.
Pensando nisto, lembrei de um  jornalista, que reclamava revoltado, porque foi barrado no Tribunal de Justiça da Bahia, quando pretendia entrevistar o presidente do STF. É que, mesmo para fazer a entrevista para um jornal impresso, o repórter devia usar terno e gravata. Só conseguiu trabalhar porque o próprio tribunal emprestou um para ele. O recado era claro: “você sabe quem vai entrevistar? não é qualquer um pra você vestir o que quiser”.
Se você acha que o paletó e a toga são bonitos, tudo bem. Se você costuma exigir que os outros te chamem de Doutor ou Excelência, tá tranquilo. Se você exige reverências, beleza. Não diga, porém, que está sendo democrático, ou favorável à igualdade.
Saiba que tudo isto tem historicamente uma utilidade. Quando praticar esses rituais, construa uma imagem mental, do seu rosto dizendo, silenciosamente, mas com a mesma arrogância, com o mesmo autoritarismo, com a mesma petulância e com o mesmo elitismo, as seguintes palavras:
“Você sabe com quem está falando?”

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