O tratamento desumano dado à mulheres que buscam atendimento em instituições que prestam serviços públicos foi o tema do debate realizado na tarde desta quinta-feira (03) na Assembleia Legislativa. Durante audiência pública, proposta pelo deputado Fábio Dantas (PcdoB), mulheres e homens de diversos segmentos da sociedade demonstraram sua indignação diante da violência de gênero, sofrida pelo público feminino, especialmente.
Na ocasião, o parlamentar sugeriu que as mulheres presentes da audiência apresentem formulem projetos relacionados ao tema violência para apresentarem no dia 12 de maio, durante seminário que será realizado na Assembleia, com a participação das agremiações partidárias para o pleito de 2014. “O evento vai discutir questões importantes do RN com os futuros representantes políticos do Estado. Será um momento oportuno para tratar deste assunto da violência contra a mulher, que é um tema de grande relevância”, afirmou Fábio Dantas.
Para o deputado, o tema precisa ser clareado na sociedade, pois muitas pessoas não reconhecem esse tipo de tratamento inadequado como sendo violência. “É preciso ter a consciência de que nem toda violência é física, mas também psicológica”, declarou.
A coordenadora de Política para as Mulheres do Governo do Estado, Carmosita Nóbrega foi a primeira a se pronunciar durante a audiência e, na ocasião, deu explicações sobre como acontece a violência institucional. “Ela pode ser identificada de várias formas e uma delas é o desrespeito que essas mulheres sofrem ao buscarem atendimento numa delegacia, num hospital, ou em qualquer. Não há que as ouça, quem as ajude. Se ela veio agredida de casa, sofre uma nova agressão ao chegar numa delegacia. A frieza, a negligência, a rispidez com que são tratadas é uma violência”, disse.
Para Carmosita, para reduzir esse tipo de problema é preciso focar na capacitação dos agentes que estão em contato com as pessoas. “Precisamos trabalhar junto aos gestores para que não haja essa falta de respeito que acontece com tanta frequência. A humilhação faz com que muitas mulheres, que não têm instrução, não façam reclamação, pois elas acham que aqueles servidores estão fazendo um favor”, disse Carmosita.
A secretária adjunta da Secretaria Municipal da Mulher, Vera Raposo lembrou que a violência institucional não é cometida apenas contra as mulheres. “Ela acontece em todos os segmentos da população. Quem mais sofre violência são as mulheres, os homossexuais, idosos, negros, obesos. Hoje estamos trazendo o foco para as mulheres e penso que podemos trabalhar dois eixos, sendo um a capacitação do agente público e o outro é empoderar a população para que ela se conscientize dos seus direitos, especialmente as mulheres. Uma mulher empoderada dos seus direitos vai enfrentar melhor essas situações”, declarou.
A deputada Márcia Maia (PSB) disse que o objetivo da audiência pública é colaborar com uma mudança cultural. “É preciso mudar esse olhar machista da nossa sociedade e só vamos conseguir isso com gestos e atitudes de homens e mulheres”, declarou. A deputada falou sobre um decreto que sugere que a delegacia da mulher seja especializada na violência doméstica. “Houve um estudo respaldado pelo Comitê de Enfrentamento da violência contra a Mulher e outras entidades, mas, infelizmente esse decreto não foi assinado. Falta priorização para este segmento”, disse Márcia.
DELEGACIA DA MULHER
A titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) da Zona Sul de Natal, Karen Lopes declarou que se sentia vítima da violência institucional, pois, segundo ela, a Polícia, como um todo, é machista. Na ocasião, a delegada disse que foi chamada à Delegacia Geral de Polícia Civil (Degepol) para tratar do decreto sobre a Deam. “Os delegados presentes se mostraram favoráveis à ideia. A função da Delegacia da Mulher é combater a violência doméstica”, disse.
Karen Lopes disse que vai lutar contra o machismo dentro da Polícia. “Não aceito mais que digam que a Deam é uma delegacia de segunda categoria. A gente trata de questões complexas. Toda essa onda da violência está atrelada a um lar desestruturado. A partir da implementação desse decreto, tenho o projeto de criar uma Deam itinerante, que vá aos bairros. Mas para isso, preciso de estrutura. Dizer quais os diretios dessas mulheres. Preciso de uma delegacia móvel”, declarou.
A delegada disse, ainda, que não recebeu nenhum tipo de treinamento para assumir a Deam, o que para ela é fundamental. “Eu não fui preparada para estar à frente da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. É uma obrigação da Polícia Civil capacitar seus delegados. Eu acho um absurdo. Eu fui atrás de conhecimento, mas a Polícia Civil nunca me deu essa capacitação. Eu exijo esse treinamento”, afirmou.
IGUALDADE
A coordenadora da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Graça Lucas falou sobre a luta das mulheres negras. “Essa luta vem de longe, começou no continente africano, no traslado, nos navios negreiros, quando as mulheres se jogavam no mar ou abortavam para que seus filhos não se tornassem escravos. Para justificar a escravidão, os negros foram ‘coisificados’, não tinham alma. Após a libertação dos escravos, veio a negação do Estado Brasileiro à população negra. O que queremos é que nossos jovens, idosos, crianças, tenham qualidade de vida e vida plena. Não queremos ser os suspeitos número 1 quando um crime acontece. Precisamos apagar essa mancha na nossa sociedade”, declarou.
A representante da Federação dos Conselhos Comunitários e Entidades Beneficentes do RN (Feceb), Edneuza Jones falou sobre a violência que as mulheres sofrem quando resolvem ser candidatas a cargos políticos, sejam como parlamentares, gestoras públicas ou sindicalistas. “Os sindicatos são ambientes, geralmente, muito machistas. Quando uma mulher ousa se candidatar passa a sofrer o preconceito dos companheiros de outrras chapas. É uma violência psicológica e não vão até o final dos seus mandatos”, declarou.
Maria Goretti Gomes, representante do Grupo Afirmativo de Mulheres Independentes (GAMI) parabenizou a delegada Karen Lopes pela coragem em defender às mulheres. “Nós que estamos perto dessas mulheres violentadas sabemos o quanto custa denunciar a falta de estrutura. Dou os parabéns à delegada Karen Lopes. Digo que estou feliz porque a delegada falou que se sente uma mulher feminista e está com a consciência e preocupação que temos dia e noite. Mas ninguém conseguirá fazer nada se o Estado não ofereça estrutura”, afirmou.
HOMENS EM DEFESA DAS MULHERES
O representantes dos Direitos Humanos, Ivênio Hermes trouxe números da violência de gênero. “Foram registradas 21 tentativas de estupro de janeiro até aqui. Mas esse número não representa a realidade pois muitas mulheres não fazem a denúncias. Se para elas denunciar o estuprador é difícil, imaginem uma tentativa de estupro. Os feminicídios registrados em 2014 chegam a 25, outro dado que também não corresponde à realidade. Pois sabemos de casos de mulheres assassinadas pelos maridos, no interior, que não estão dentro desses índices de pesquisa. Em 2013 foram 107 feminicídios. O que nos preocupa é a violência que vem de dentro do ser humano. Vem do machismo. O homem teme a mulher. Por não saber lidar com a força que elas possuem, ele faz com que ela seja anulada. O machismo tem que acabar. Ele nos transforma em primatas. Voltamos a ser pessoas que não raciocinam”, declarou.
O Procurador Estadual, Antenor Roberto reconheceu que a luta das mulheres é complexa e que as mudanças na sociedade acontecem de forma lenta. “É uma luta de cotidiano, mas vejo que ela está muito bem posta no Brasil”, disse. Antenor defendeu a abordagem do tema nas escolas, como forma de conscientizar as crianças, desde cedo, sobre o respeito às mulheres e apontou os jogos eletrônicos violentos como um retrocesso na questão da violência. “Essa ferramenta eletrônica está jogando contra nós. Ela cria a ideia de uma força masculina violenta e isso tem dominado nossas crianças. Também sou contra esses esportes cujo único objetivo é destruir os outros fisicamente. Estamos voltando à cultura dos gladiadores romanos”, declarou.
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